Quem controla as suas redes sociais?
Se algo não te traz a informação que você quer, por que ainda está seguindo?
Estou em um processo longo de mudança de casa, algo já comum na minha vida. Tem dias que penso constantemente na letra do Legião Urbana, porque já morei em tanta casa que nem me lembro mais. Por mais que eu odeie empacotar e desempacotar a minha vida, tem uma coisa que considero muito pedagógica toda vez que me mudo ou fico nômade de novo. É uma grande oportunidade de me reorganizar, entender o que realmente preciso pra viver, o que faz diferença pra mim onde estou, e do que posso me desapegar. Cada vez que encaixoto minhas coisas, posso abraçar temporariamente aquela ideia de organização da Marie Kondo e pensar: isso aqui me traz alegria? Isso aqui me traz paz? Isso aqui faz sentido na minha vida?
Além disso ser bom para evitar o acúmulo de coisas desnecessárias e me fazer refletir antes de comprar algo novo, é um processo que, ao longo dos anos, me ensinou também a me desapegar de práticas, pessoas, instituições. Entendi que aquela faxina sazonal que devemos fazer em casa também se aplica a outros aspectos da vida. Um deles está nas redes sociais.
Não é novidade para quem me conhece de que tenho uma relação bastante turbulenta com as redes sociais, sejam privadas ou públicas. Apesar de ter trabalhado por muitos anos nelas, nunca me acostumei. Ainda bem. Quanto mais passei a entender do funcionamento do capital por trás das redes, dos algoritmos, da lógica de engajamento, da economia da atenção, da renúncia da privacidade e até da mercadorização do nosso lazer e nossos momentos de usufruto pessoal, mais passei a achar tudo muito, muito, muito desenhado e artificial. Desde então, sabendo de que ainda quero me comunicar privadamente e publicamente por ali, reflito diariamente sobre como manter algum pingo de genuinidade em espaços em que somos levados - mesmo sem perceber - a performar o tempo todo.
Muitas vezes, pensamos que isso é um problema de quem tem que trabalhar nas redes. Minhas amigas que são influenciadoras sempre relatam a pressão para engajar e converter e como é preciso até mesmo tolerar mensagens e comentários babacas de gente online para não perder números que garantem a renda mensal. Mas até quem não trabalha nas redes anda sofrendo de algo parecido. Li esses dias, em uma dessas páginas de meme, alguém falando que queria prestar concurso público pra poder sair das redes sociais. Parece que é isso mesmo, pois o que antes ficava só no LinkedIn está também no Instagram, no TikTok, no X, e até chegando no BlueSky. Oras, até no Substack também, não é?
Parece que precisamos vender nosso peixe o tempo todo, engajar o tempo todo, comunicar o tempo todo e para isso precisamos estar ligados no que todo mundo diz e faz o tempo todo. Me assusto quando vejo o tempo que as pessoas gastam online nas redes todos os dias e, nessas horas, fico estranhamente contente que meu trauma passado me impede de passar tanto tempo vendo posts aleatórios.
Como estar online me cansa muito, tento ser bem estratégica no meu uso desses espaços. O que me leva ao ponto real deste texto: se eu não gosto de alguém, se a imagem dessa pessoa me dá asco, se a mensagem que fulano passa não tem nada a ver com o que eu quero pra mim e pro mundo, por que estou seguindo essa pessoa?
Em outras palavras, se essa conta não me traz alegria, por que eu indico pro Instagram que é pra me mostrar seus posts e stories?
Quem educa seu algoritmo?
Desde a época do Tese Onze eu tentava passar a mensagem de que não basta reclamar que o algoritmo é tendencioso, que as empresas são um lixo que censuram conteúdos específicos e não entregam o que você quer ver, enquanto promovem mensagens e posturas a favor do capital, do consumismo e do autoritarismo. Esse tipo de reclamação é chover no molhado. Vamos esperar o que da rede deste cara aqui, que fundou o Facebook baseado em um site que criou em 2003 para julgar quão atraentes eram estudantes (mulheres!) de Harvard? Esperamos algo ético do cara que fundou uma rede social que em apenas dois dias foi derrubado por postar imagens de mulheres sem sua autorização? Nada, né?
Infelizmente, no capitalismo, não se corta o mal pela raiz e ele cresce e se torna uma grande floresta que suga nossa energia pessoal, vende nossos dados e consome cada vez mais energia elétrica também. Se o mundo inteiro tivesse imposto regulamentações a essas empresas logo no começo, talvez não teriam crescido tanto e se tornado tão hegemônicas. O problema deixa de ser primariamente do usuário, já que as circunstâncias sociais e de trabalho o levam a estar ali, e passa a ser realmente de estrutura de poder. Quando tentamos regulamentar algo tarde demais, nos deparamos com o enorme poder que essas corporações têm para manipular a narrativa e o jogo. É o caso da briga do estado brasileiro e a Meta no momento, já que a empresa não quer por nada aderir a leis e decisões do Brasil, enquanto segue sua expansão sem nenhuma transparência. É assim que contas como a do Chavoso da USP são banidas sem a menor explicação e é assim que um “bug” misterioso coloca contas de políticos (muitos deles de esquerda) em shadow ban, do nada, inclusive a de um presidente da república.
Parece então que, até o momento, nos encontramos reféns. O caminho passa por apoiar a regulamentação adequada das plataformas das redes sociais, tanto para proteger crianças, quanto para assegurar transparência e suporte na aplicação das regras aos usuários. A Meta opera com dois pesos, duas medidas, mas nem mesmo temos acesso a como medem as coisas com tanta discrepância.
O caso do X, uma rede que foi dilapidada por Elon Musk, agregando o pior algoritmo de todos, controlando alcance e se tornando quase irmã da Truth Social de Trump, nos mostra que também não basta um boicote de consumidor. Se esvaziamos um espaço para ocupar outro, não significa que o poder se deslocou, pois os espaços abandonados podem ganhar mais adesão e participação ainda por outros campos, que serão mais validados. Mesmo assim, tenho encontrado um pouco de paz no BlueSky, especialmente porque migrei junto com uma comunidade científica do clima que não conseguia mais fazer nenhum debate no X.
Mas da mesma forma que fui pro BlueSky, não me vejo abandonando o Instagram tão cedo. Talvez seja porque não uso a rede para trabalho mais e porque consigo ter um cantinho exclusivo pra família e amigos, talvez porque me parece que não temos para onde migrar.
O que me leva a complementar a necessidade de regulamentar (não só as redes, mas também outras plataformas, como as de streaming) - inclusive nos opondo ao monopólio dessas empresas, que compram umas às outras e eliminam as alternativas - com um debate sobre o que fazer com o conteúdo que recebemos no dia a dia.
Isso me faz questionar a razão das pessoas seguirem tantas contas. Brinco com minha amigas que seguem quase o máximo de contas no Instagram que não entendo como elas chegaram a tanto. É humanamente impossível acompanhar o conteúdo de 7.500 contas, mesmo se o Instagram entregasse todas as postagens com o mesmo peso, de acordo com o momento de postagem (como antigamente). É impossível porque hoje muita gente posta muito e é impossível porque, em teoria, temos que viver fora das telas também.
Quanto mais conta a gente segue, maior a competição entre elas para que seu conteúdo seja entregue. O problema é que ninguém sabe com 100% de certeza os termos dessa competição. Sabemos que imagens de rosto e corpo chegam mais longe que textos nos stories, mas é por que o Instagram favorece isso ou por que nós, como seres humanos, nos interessamos mais pela pessoa e pela fofoca? É o algoritmo agindo por si mesmo ou é o algoritmo agindo através de nós?
Tem também o condicionamento que o algoritmo faz com a gente. Eu odeio música em post estático. Sou daquelas que abre o instagram no silencioso e prefiro ler legenda do que ouvir a pessoa falando sem nenhuma descrição do tema. Mas hoje todo mundo coloca música em post estático de fotos, simplesmente porque já é comprovado que o Instagram favorece esses posts na entrega. Feliz de quem gosta de música aleatória em todo post, e eu que lute.
Com isso, vemos que há possivelmente um caminho de duas mãos em que o algoritmo nos condiciona, mas nós também educamos a rede para nos entregar coisas específicas também. Mesmo que eu seguisse 3.000 pessoas, tenho certeza que os stories do meu irmão ainda apareceriam sempre pra mim. E se não aparecessem, colocaria nos favoritos e comentaria sem parar até voltar a aparecer. Vou brigar com o algoritmo, mas vai me entregar os posts do meu irmão sim!
Se essa conta não acrescenta na sua vida, deixe-a ir…
O que me leva ao meu ponto final: por que vocês acumulam tantas contas entre as que seguem? Sério, gostaria de entender melhor. Creio que há gente que seguimos por educação, há gente que seguimos porque achamos que vamos querer saber delas em algum momento, gente que seguimos pra não esquecer que existe (como se fosse uma agenda de contatos), gente que seguimos porque é seguida por outra gente que seguimos, gente que seguimos só pra apoiar, e assim por diante. Mas quantas contas seguimos por que realmente queremos que seu conteúdo seja entregue no nosso feed diariamente?
Assim como na nossa casa, se juntamos coisa demais num espaço pequeno, fica difícil encontrar aquilo que realmente necessitamos. Faria muito mais sentido seguir apenas o que queremos achar e, quando quisermos saber de algo a mais, usar a ferramenta de busca (que é horrorosa, convenhamos, mas ainda existe).
É algo que também pergunto aos amigos pesquisadores que seguem contas de extrema-direita para ficar “a par". Mas, se buscamos artigos diretamente no Google Acadêmico, não seria o caso de, no dia específico que você tem que entender o que Nikolas Ferreira está fazendo, simplesmente digitar o nome dele e olhar? Não me parece fazer muito sentido, a não ser que se tratasse de uma conta privada, onde é preciso seguir para ver.
Eu me preocupo um pouco com isso porque pras pessoas que usam as redes sociais profissionalmente, o número de seguidores é capital. Você pode odiar o Bolsonaro, mas se segue o Bolsonaro, faz parte daquele número que vale alguma coisa pra ele. Reparei muito nisso esses dias, quando vazou o vídeo racista e colonizador do Luciano Huck ao lado da Anitta e as mesmas pessoas que vi xingando o Huck também continuavam lhe seguindo. Ué, você chamou o cara de racista mas vai continuar seguindo o racista? É porque, apesar de racista, você quer muito saber o que tá rolando na dança dos famosos?
Eu tenho inclusive amigos que odeiam uma pessoa que me fez muito mal, que falam mal dele sempre que têm a oportunidade, mas estão lá, seguindo a conta, sei lá, por curiosidade? Não basta fazer aquela sessão de stalker num dia qualquer, botar um monte de nome na busca, matar a curiosidade e ir embora?
Me parece mesmo que nos acostumamos é a acumular conta, bem como anos atrás o pessoal se orgulhava de ter batido o máximo de amigos no Facebook, sendo que amigos mesmo eram apenas uns 200. E aí, nesse acúmulo de coisas, damos mais poder pro algoritmo entregar só o que passa pelo seu filtro, e aquela informação daquela conta que você realmente confia fica pra trás; afinal, ela não usa mensagem sensacionalista, ela não faz apelo emocional barato, ela não intercala informação com fofoca. E depois reclamamos que o Instagram não entrega pra gente.
Será que não seria uma boa aproveitar o fim de ano e reorganizar suas redes? Fazer uma faxina? Perguntar-se a razão de seguir quem segue e se vale a pena continuar seguindo?
Será que podemos fazer a Marie Kondo da rede social e promover um pouco mais de desapego, ajudando a educar o algoritmo e impondo o nosso próprio filtro sobre o que queremos ter acesso? Eu acho que sim. A diferença é que na hora que você der unfollow naquela influencer chata ou no ex-presidente golpista, não precisa agradecer a essas contas antes de se desfazer delas. Já vão tarde!





Boa tarde, Sabrina. Gostei das reflexões. Não trabalho online e ri com o meme do concurso, é realmente libertador ser efetivo e não precisar ~performar intencionalmente~ para garantir renda. Há tempos sinto esse cansaço das redes tbm, tanto é que tive indas e vindas no instagram nos últimos anos. Atualmente tenho conta, mas raramente entro. Sentia esse cansaço tbm com o whatsapp e há uns meses deletei. Foi o sentimento mais libertador, algo instantâneo ao deletar a conta. É como se fossa dona do meu próprio tempo e demandas. Me comunico pessoalmente, por email, SMS/ligação ou pelo meu blog (escrevi recentemente sobre o tempo do professor, dialoga um pouco com a questão das redes/whats no trabalho https://quimicaempratica.com/2025/10/24/o-tempo-do-professor/). Mesmo digital, essa escolha parece analógica e dá certo alívio pra mente. Acredito que as redes promovem excesso de estímulos, nos deixam exaustos, mas são poucos que têm a sensibilidade para perceber o quanto estão sendo afetados. Esse excesso de informação e estímulos têm impactado ainda mais as crianças/adolescentes, que nem chegaram a viver num mundo um pouco mais lento. É claro que sou vista como inconveniente, anti-social, isolada, porque o excesso de redes e infos virou o novo normal. Fazer o quê. Também poderíamos discutir sobre como o conteúdo rápido e viciante tem provocado uma preguiça cognitiva, porque mesmo que busque fazer aulas que gerem engajamento, o cérebro dos jovens está ficando habituado a outro nível de estímulo: frenético, imediato e, por vezes, raso (por não conseguirem concentrar por muito tempo). Um grande desafio que estamos passando mundialmente, vivo/penso nisso todos os dias.
Concordo demais.. no início de novembro resolvi excluir o app do Instagram do celular e nunca mais entrei.. estou só no substack no momento e me sentindo bem melhor.. claro que faz falta ver stories de quem eu admiro o trabalho ou acompanhar família e amigos, mas parte deles está aqui também ou no YouTube.